JOSÉ ROBERTO TORERO
Eu e você integramos esse grupo, daqueles que amam o futebol, que tem deixado de ser popular para ser nobre
EU SOU do sexo masculino, branco, hétero e de estatura mediana. Mas faço parte de uma minoria. E você também.
Antes de dizer a qual minoria pertencemos, há que lembrar que hoje "minoria" é palavra complicada. No sentido mais trivial, significa "condição de um grupo que é inferior numericamente a outro". Mas, segundo o Houaiss, há outra definição: "Subgrupo dentro de uma sociedade que se considera (ou é considerado) inferior ao grupo maior e/ou dominante, e por essa razão é alvo de discriminação ou preconceito".
Pois bem, neste segundo sentido, eu e você que está me lendo somos uma minoria. A minoria dos que gostam de futebol. "Como minoria, se todo mundo gosta de futebol?", alguém pode ter se perguntado.
Ora, mulheres e negros também são considerados minorias. Não importa que sejamos numericamente maiores do que os que não gostam de futebol. Se você diz que gosta deste esporte, automaticamente pensam que você gosta de cerveja, de revistas de mulheres peladas, é meio infantil, não suporta balé e adora os filmes do Charles Bronson. E não é verdade. Eu, por exemplo, não gosto do Charles Bronson.
Este preconceito não é brasileiro, mas mundial. Mais de uma vez, em festivais de cinema no exterior, quando contei que era comentarista de futebol, atraí olhares surpresos, como seu eu fosse um canguru com bico de tamanduá e pernas de avestruz. E aí vinha a pergunta: "Você gosta de futebol e faz cinema?", como se este "e" não pudesse juntar duas coisas tão diferentes.
O preconceito antiludopédico pode ser sentido profissionalmente. Geralmente, mesmo que use números e tabelas, o jornalista esportivo é considerado menos inteligente que o econômico. Mesmo que desvende tramoias, será tido como menos investigativo que o político. Mesmo que tente entender a estética do futebol, que interprete o que uma partida tem de narrativo e simbólico, ficará abaixo do repórter de cultura. E há nisso grande injustiça, pois o jornalista esportivo é o que enfrenta os leitores mais exigentes. Se alguém da Ilustrada esquecer um dos dois dês de Wooddy Allen, poucos vão reclamar. Mas experimente escrever Corinthians sem agá.
Aliás, se o amante de futebol for corintiano ou flamenguista, aí é que vão desconfiar de sua capacidade intelectual. Há a impressão de que neurônios e bola não podem andar juntos. Afinal, o futebol é ligado ao povo, e o povo, à ignorância. O preconceito em relação ao futebol é um preconceito social.
Mas isso vem mudando. Um pouco pela evolução do pensamento coletivo, um muito pelo afastamento entre povo e futebol.
Hoje, o Maracanã e o Morumbi têm metade do tamanho que já tiveram. E não é comum vê-los cheios. É que o futebol vem deixando de ser esporte do povo. Uma entrada para as arquibancadas é mais cara que o ingresso para um cinema de shopping. E a camisa oficial pode custar o preço de cesta básica.
Enfim, a grande massa que ama o futebol em breve não será mais vítima de preconceito. Não pelo fim do preconceito, mas pelo seu próprio fim. Aí então, quando o futebol for algo apenas das classes B e A, dirão que é um esporte nobre.
Fonte: Folha de S.Paulo (10/2/2009, p. D4)
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